Tokugawa Blues - Capítulo 01.2
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Tradução: Note | Revisão: Pandine
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Capítulo 01 – Parte Dois
Esta noite, definitivamente, não estava indo de acordo com o plano.
Vir aqui foi uma ordem direta do topo. Era para supostamente ser um mais ou menos abalo de uma família menos competente da yakuza conhecida como Himekawas, em que o líder não tem pagado as taxas do território dividido com os Tokugawas. Um acordo já questionável como era (famílias nunca gostaram de compartilhar pedaços do território com ninguém), mas com o preço certo, qualquer coisa poderia acontecer.
Os Tokugawas fizeram um acordo com os Himekawas de ter trinta por cento de todos seus lucros, o que – surpreendentemente – eles não estão recebendo… e é claro, um criminoso mais fraco enganando um mais forte, geralmente não acaba bem.
Ayame, perdida em pensamentos e com os braços doendo, zombou do quão bizarro e distorcido tudo sempre pareceu ser.
“Rindo em uma hora dessas? Está pensando sobre o que?” Teru maravilhou. Ayame balançou a cabeça.
“Não é nada… Ah.”
Os passos delas no chão de carpete ficaram imóveis. A janela que Teru havia mencionado estava agora em frente a elas.
“Vamos nessa. Estamos alto…?”
“Você esqueceu, né?” Teru suspirou. “Honestamente e você quis me dar bronca… Estamos no quarto andar.”
Ayame franziu as sobrancelhas.
No quarto andar…? É uma queda e tanto se quisermos escapar com as nossas vidas…
“Qual é sua porra de ideia brilhante, Teru?” Ayame começou a repreender. “Esse era seu maravilhoso plano de fuga? Você é idiota?”
“Pare de espumar e olhe. Viu a linha bem ali, bem na beirada da escadaria?”
Teru apontou para a janela escura e quando Ayame espremeu os olhos cansados, ela conseguiu distinguir algo que parecia o corrimão de uma escada.
“Uma escada de incêndio, não é? Tudo bem por mim.”
“Certo, vou pegar a–”
Ayame apontou a arma no coldre no cinto para a janela e puxou o gatilho com um tiro silencioso.
“Mas que droga, Ayame! Eu poderia só ter aberto a janela como a porra de uma pessoa normal!” Teru recuou. “Ugh, que seja… vamos tirar esses cacos e ir. Espero que ninguém tenha escutado…”
“Tem um silenciador, imbecil.”
“Eu sei que tem um silenciador, cuzona, mas não é completamente silencioso quando o vidro está quebrando e voando para todo lado!” Teru silvou de volta para Ayame.
Ayame soltou um suspiro indiferente.
“Tanto faz. Pare de ser um bebezão e me ajude a passar… meus braços doem.”
Deixando cair o saco de lixo sem a menor cerimônia ao lado da janela, Teru torceu o nariz quando Ayame começou a limpar os cacos de vidro.
“Seja cuidadosa para não se cortar, tá?” Teru advertiu. Ayame suspirou com irritação.
“Eu vou ser cuidadosa pra caralho.”
“Céus, você está um raio de sol hoje, não é?”
Enquanto afastava os cacos de vidro de vários tamanhos e formatos, a brisa fresca da noite de julho começou a entrar.
Ayame se sentiu exalando em alívio pela sensação do frio da meia noite tocando seu rosto e lembrando-a de que realmente havia uma vida fora desse ensanguentado calabouço infernal. Enquanto começava a se sentir mais calma, seus braços começaram a se mover ainda mais rápido.
“Aah…” ela exalou, arrastando os últimos pedaços de vidro para os arbustos abaixo. “Finalmente.”
“Vamos, pare de admirar a vista e vamos logo, rápido. Este saco está fedorento.”
“Fedorento? Você tem cinco anos de idade…?” Ayame respondeu, escalando no frio metal da escadaria da saída de incêndio. “Ah, essa brisa… Finalmente me sinto como eu mesma novamente.”
“Você sempre é você. Você nunca deixa se der o seu eu nada vibrante e violento. Além do mais, é tão errado da minha parte achar um saco cheio de partes corporais nojento?”
Ayame não respondeu e enquanto os passos de Teru alcançaram a superfície metálica, ela pegou novamente o saco com um grunhido. Ela podia se desculpar por ser rabugenta mais tarde.
Seus braços estavam cansados de todos os cortes e suas costas estavam doendo de ter que carregar o peso da tenente desmembrada. Um repentino gosto amargo preencheu sua boca e ela se virou para sua irmã.
“Sabe, Teru,” Ayame começou e Teru olhou para ela curiosamente. “Você poderia me fazer um favor e dividir um pouco da carga aqui.”
“Eu não nos trouxe aqui furtivamente, hm? Qual é, você tem feito um trabalho ótimo. Vou falar bem de você para a mamãe.”
“Primeiramente,” Ayame resmungou, batendo fortemente o saco no frio metal da escadaria. “Você não nos trouxe aqui furtivamente. Nós entramos pela porta da frente.”
“Quer dizer, eu acho…”
“E segundo, você mesma disse que eu não tenho feito a porra de um trabalho bom. Terceiro, nossa mãe pouco se fode para você, ou para mim, ou qualquer coisa que não seja dinheiro. Então só saio perdendo.”
Teru fez uma careta.
“Bem–”
“Então pegue a porra desse saco logo ou eu realmente vou perder a paciência…!”
“Tá bom, tá bom…!” Teru resmungou rispidamente. “Não fique toda putinha. Nós realmente temos que dar álcool e uma boa refeição para você.”
Ayame continuou em silêncio, mesmo que, algumas vezes, seu silêncio fosse ensurdecedor. Teru não pôde deixar de rir maliciosamente.
Ambas as gêmeas Tokugawa estavam agora completamente do lado de fora e Ayame sentiu como se isso fosse exatamente o que ela precisava desde o momento em que pisou naquele apartamento sujo. O vento acariciou seu rosto gentilmente e à distância, os suspiros e sons de Kyoto abaixo estavam preenchendo cada um de seus sentidos. A ideia de um copo gelado de cerveja, o grave pulsando através do seu corpo dentro de uma boate…
Tudo isso soava como o paraíso para ela… mesmo que ela já o tenha feito diversas vezes.
A sensação pegajosa e um pouco coagulada, do sangue que Ayame passou pelo seu cabelo começou a parecer endurecido, como se tivesse alisado tudo para trás com gel. O vento começou a diminuir um pouco enquanto ela e Teru continuavam a caminhar, e aquele desagradável e familiar calor do verão começou subir do pavimento abaixo.
“… Credo, essa mulher é pesada. Ela devia ter uns bons músculos. Não é de se admirar que ela tenha tentado socar você.”
“Só continue descendo as escadas, Teru… não queremos ser pegas. Não agora.”
“Não, eu sei… é só que… aff, ela fede…”
Ayame fechou seus olhos cansados em irritação e começou a agilizar seus passos escadaria abaixo com sua irmã.
“Você está quase lá.”
“Temos uma motorista esperando, certo? É alguém que conhecemos?”
“… Novata, de acordo com a Dona. Vamos torcer para que não seja do tipo enjoadinha.”
Teru riu. “Ah, ótimo. Se ela for uma covardezinha, acho que vamos saber antes do esperado.”
Só mais uma noite em Kyoto, Ayame pensou.
As duas escalaram os degraus metálicos abaixo. Teru teve dificuldades com o saco de restos corporais, mesmo que ela fosse, na realidade, um pouco mais forte que Ayame em força braçal isolada. Eventualmente, quando as duas chegaram à grama seca e quebradiça do lado de fora do apartamento dos fundos, elas viram um carro preto e elegante esperando do outro lado da estrada dentro de um beco.
“… Aquela é a nossa carona?” Teru perguntou cautelosamente. “Uau. Esse é um carro terrivelmente caro, até para nós.”
“A Dona mencionou mesmo que ganhamos um upgrade…” Ayame murmurou, e acendeu um cigarro. “Essa garota é supostamente para ser a melhor das melhores.”
“Sério…?” Teru comentou divertidamente. “Bem, caralho. Vamos indo, então. Como você não falou disso para mim até agora?”
“Esqueci.” Ayame disse bruscamente. Teru zombou.
“Você é tão inexpressiva às vezes… e ei, por que está fumando? Não deveria esperar até estarmos dentro do carro?”
“Eu não me importo.”
Teru suspirou e puxou o saco um pouco mais para cima do ombro.
“Fique à vontade. Acho que não estou em posição de dar bronca.”
Ambas começaram a atravessar a rua sob a cobertura da escuridão e descobriram que o manto da noite era de grande conforto.
Os olhos cansados de Ayame de repente se sentiram rejuvenescidos e a palpitação dentro de seu coração, que tão frequentemente aparecia com atos de violência, começou a se acalmar com a presença da brisa noturna em suas costas. Teru, enquanto isso, parecia que saltitava de positividade em seus passos por simplesmente sair daquele terrível bloco de apartamentos e ela estava muito feliz por chegar no beco igualmente sujo.
“Ali está ela,” Teru disse à medida que seus passos esmagavam os cascalhos e ao passo em que as duas se aproximavam, somente Teru realmente prestou atenção à mulher em questão. “Ei. Você é a novata?”
A mulher aninhada na escuridão do beco levantou a cabeça em surpresa.
“… Sim.”
“Tenho uma entrega que precisamos levar para o incinerador. Você sabe onde é, certo?”
“Sim, Tokugawa-san.”
Então essa realmente era a motorista delas.
“Ugh, não tem necessidade dessas formalidades…” Teru interviu, acenando uma mão na frente dela. “Sou a Teru, então me chame assim. Teru Tokugawa. Ah… você provavelmente já sabe disso, mas essa é a minha irmã, Ayame Tokugawa.”
Ayame não se importou em olhar para cima. A motorista assentiu.
“Meu nome é Chinami Saizuki. É uma honra conhecer vocês duas.”
Chinami curvou sua cabeça fortemente e Teru não pôde evitar rir com a visão.
Até mesmo no escuro pouco iluminado, Chinami era uma garota misteriosa de se olhar. Teru, pelo menos, pensou assim. A motorista de cabelo prateados vestia poucas coisas que mostrassem qualquer características indistinguíveis, apesar de que, nessa linha de trabalho, essa provavelmente era uma boa decisão a se tomar.
Ela vestia um colete branco, uma jaqueta azul clara e uma máscara medicinal preta, que se pendurava em ambas as orelhas e ao redor de sua boca. Seus óculos eram lustrosos e bem equilibrados na ponta de seu nariz, enquanto seus olhos roxos profundos eram temíveis e intensos de se olhar por muito tempo.
Intrigada pelo porquê Teru, dentre todas as pessoas, havia ficado em silêncio por tanto tempo, Ayame direcionou seu olhar para encarar a mulher que permanecia curvada.
“Ei, o que eu falei sobre formalidades? Para com essa merda,” Teru interrompeu. “Estamos todas no mesmo nível, aqui… só não vacile com a gente ou vamos matar você.”
Chinami permaneceu em silêncio por um momento. Ayame levantou uma sobrancelha. Ela temporariamente esqueceu que Teru podia ser bem ríspida quando importava também.
“… Entendido.” Chinami respondeu de modo firme, mesmo que respeitosamente.
E à medida que Chinami levantava a cabeça, Ayame Tokugawa sentiu algo começar a borbulhar dentro de seu coração. Pela primeira vez em muitos anos, um leve sentimento se espalhou pelo seu peito, superando a vontade de quebrar tudo o que via.
Que sentimento era esse, no entanto, ela não tinha tanta certeza, mas algo sobre a chegada dessa mulher de óculos e máscara tinha tirado, completamente, qualquer raiva restante desta noite.
“… Olá,” Ayame murmurou discretamente, o que surpreendeu Teru o suficiente para que não dissesse uma palavra qualquer. “Sou a Ayame.”
Chinami pausou, claramente receosa pelo cumprimento gentil. Ayame tinha a sensação de que sua reputação tinha alcançado essa daqui… Apesar de que não era tão incomum, esses dias.
“É um prazer conhecê-la, Ayame-san.” Chinami disse, com um ar tanto de calorosa recepção quanto frio resguardo. “Eu–”
“Ah… não seja formal comigo também, por favor.”
“… Como desejar.” Chinami respondeu, e apesar de seu tom austero, Ayame não deixou de notar os intensos olhos que ela tinha, também. “Vocês são gêmeas?”
“O que nos entregou?” Teru riu sozinha. Chinami tocou em seus óculos.
“Seus olhos são ambos de um intenso vermelho.” Ela disse calmamente. “O mesmo sombreamento. Vocês são realmente Tokugawas.”
Teru e Ayame ambas ficaram surpresas com isso.
“Você consegue ver nossos olhos no escuro assim?” Ayame perguntou.
“Sim. Quaisquer faíscas de luz me mostram para onde o olhar de uma pessoa está direcionado.”
Ayame e Teru trocaram um olhar mútuo de predileção pela motorista delas. Ela é observadora, mesmo com os óculos. Impressionante.
“Você precisa de ajuda com aquele saco no porta-malas?” Chinami perguntou. Teru acenou com a mão em dispensa.
“Nah, deixa comigo. Não se preocupe com isso.”
“Então eu as esperarei no banco do motorista.”
Teru e Ayame assentiram enquanto Chinami abria a porta para se sentar no interior novamente e ambas as mulheres se viraram para se encararem.
“Hum, ela é bem bacana, não é? Do tipo forte e silenciosa.” Teru comentou.
“…”
“Você também achou, não é?” Teru sussurrou astutamente ao passo que ia para a traseira do carro e riu sozinha. “Eu não me lembro da última vez que ouvi Ayame-chan usar seus modos.”
“Vou matar você. Lentamente.”
“Você não vai.” Teru respondeu com um grunhido enquanto o saco batia dentro no porta malas e Ayame cruzou os braços raivosamente. “Nós já estabelecemos que você sentiria muito a minha falta, lembra?”
“… Você realmente é muito convencida às vezes…!”
“Mas você me ama do mesmo jeito, certo?” Teru disse com um sorriso e fechou o porta malas, batendo depois as mãos para tirar o pó com satisfação. “Ufa! Graças a Deus acabou… Vamos queimar essas coisas e voltar logo para casa.”
Ayame assentiu silenciosamente e virou seu olhar para o bloco de apartamentos de onde acabou de escapar.
“Teru.”
Teru se virou.
“Sim?”
“Deveríamos voltar mais tarde e queimar todo aquele lugar.”
Mesmo neste calor de verão, um calafrio correu a espinha de Teru.
“Hã…? Ayame, qual foi. Eu não acho que seja necessário… nunca fomos pegas antes,” Teru respondeu convencidamente e tentou afastar a sugestão. “Além do mais, não tem civis morando aqui?”
Ayame permaneceu imóvel, não tirando os olhos daquele edifício… Apesar de ser mais para não ter que encarar a expressão chocada de sua irmã.
“… Eu não vou para a prisão para que eles possam viver.”
“Ayame…”
Mas antes de que Teru pudesse protestar, Ayame já havia aberto a porta do carro e deslizado para dentro. Sabendo melhor do que pressionar o assunto, Teru rapidamente seguiu o exemplo.
Chinami Saizuki também sabia que não devia falar com suas empregadoras por muito tempo e à medida que as luzes do carro esmaeciam nos confins do beco, ela rapidamente posicionou sua bota no acelerador e as três aceleraram pela noite como se nada tivesse acontecido.
Só mais uma noite em Kyoto, Ayame Tokugawa pensou pela segunda vez esta noite, embora, mesmo agora, ela não consiga imaginar de que maneira sua vida está prestes a mudar nos próximos meses.
Ninguém consegue correr de seus demônios para sempre.